sexta-feira, 19 de março de 2010

O "EDUCAR-SE" EVITA A DOMESTICAÇÃO

         Publico, hoje, um trecho do livro "Planejamento na Sala de Aula" que escrevi em parceria com Carlos Henrique Carrilho Cruz. A finalidade é trazer sempre ao debate a assertiva de Paulo Freire, ainda em "Pedagogia do Oprimido", de que ninguém educa ninguém; ninguém se educa sozinho; todos nos educamos em nosso relacionamento, mediatizados pelo mundo da natureza e da sociedade (citado livremente). O verbo a conjugar, então, é "educar-se", não "educar". As escolas poderiam existir para ajudar as crianças e os adolescentes a se educarem em vez de querer educá-los, o que consistirá em domesticá-los.

 * * *

Mas o que é o "educar-se"? Dito de outra maneira, como definir uma pessoa educada?
"Educar-se" consiste em:
1. definir e buscar a própria identidade (pessoal e de grupo);
2. apropriar-se de instrumentos para participar na sociedade ;
3. assumir um compromisso social;
4. aceitar algum tipo de transcendência;
5. estar sempre em construção.

Uma pessoa educada é, então, aquela que:
• continuamente busca sua própria identidade e participa na construção da identidade de algum grupo;
• domina instrumentos para participar utilmente na sociedade;
• sabe que faz parte de um grupo social, respeita seus semelhantes, tem consciência da existência de estruturas sociais e se propõe a construí-las (reconstruí-las) em conjunto com os outros;
• é capaz de pensar e de vivenciar algo além dos interesses imediatos próprios ou dos pequenos grupos aos quais pertence; em outras palavras, é capaz de incorporar à sua vida a dimensão do que nos é superior, chegando, possivelmente até Deus;
• vive como alguém que sempre aprende, sempre desaprende e aprende de novo; alguém que faz o que está dito acima como um processo contínuo.
É claro que ajudar as pessoas a EDUCAR-SE não é tarefa apenas da escola; mas é evidente, também, que a escola deve contribuir para isto. Mais ainda: mesmo que a escola queira ficar, neutralmente, passando conteúdos preestabelecidos, ela estará participando da luta de construção das pessoas e da sociedade, só que, neste caso, reforçando a domesticação.
Este resumo do que é o "educar-se" serve aqui para definir nosso posicionamento básico que vai ter conseqüências sobre o tipo de planejamento que propomos e sobre alguns pressupostos sem os quais não se pode entender o que se lerá adiante.

Estes pressupostos são, basicamente, os que passamos a indicar.
* O centro do processo educativo não deve ser o conteúdo preestabelecido como faz a escola hoje.
Qualquer professor(a) estaria de acordo em dizer que o centro do processo não é o conteúdo; mas, em sua prática, a grande maioria faz dele todo o processo. Muitas vezes isto acontece até contra sua vontade. De fato, há uma "cultura", dentro da escola, junto aos pais dos alunos e em todo o senso comum social, de que se vai para a escola para memorizar algumas informações, muitas vezes consideradas inúteis até pelas mesmas pessoas que as exigem.

* O centro do processo educativo também não pode ser o aluno.
Este é desastre tão conservador como o centrar o trabalho no conteúdo. Apesar de seus importantes aspectos positivos, é, talvez, pior, porque reforça uma perspectiva de subjetivismo e de busca de interesses individuais; é o suspiro final do antropocentrismo renascentista, tão necessário naquele momento e tão sem possibilidades agora que se converteu em egoísmo, individualismo e domínio de alguns sobre os outros. É preciso atentar, de qualquer modo, que, embora muita gente propugne por uma proposta desse gênero e embora professores e professoras, na prática cotidiana, aceitem uma atenção maior às questões trazidas pelos alunos, não há grandes resultados nesta direção. O ruim ainda é o anseio e a continuada pregação deste tipo de proposta por acadêmicos e por outras pessoas: eles têm trazido prejuízos ao trabalho na escola, porque o(a) professor(a) perde o rumo, já que tudo fica muito subjetivo, e desanima e porque o atendimento aos gostos de todos, além de eticamente não desejável, é impossível.

* O centro do processo educativo escolar deve ser, sempre, um projeto político-pedagógico.

Esta é a grande proposta educacional dos últimos 30-40 anos. Embora isto passe despercebido para a maioria das pessoas que trabalham em escola, apresenta-se muito claro e definido em dois sentidos:
1. no sentido sociológico, é o que ocorre na prática: não há processo educativo que se efetive sem um projeto social condutor (um futuro desejável para a sociedade); mesmo quando as pessoas não têm este projeto explicitado, e, até mesmo, quando o negam, estarão "educando" ou ajudando o "educar-se" dentro de uma concepção de homem e de sociedade;
2. no sentido filosófico, é o dever-ser que precisa ser indicado: todo esforço educacional deve propor-se um futuro humano - deve fazer isto explicitamente - para que este projeto guie todo o trabalho que se realize.

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