sexta-feira, 23 de abril de 2010

A INCOERÊNCIA E O SEU PORQUÊ

       Publico um trecho que já está num de meus livros porque ele inclui o esboço de uma ideia que, desenvolvida, poderá trazer uma importante reflexão sobre a escola.
   

     O grande mal da educação brasileira é a incoerência. Todos estão cansados de ouvir, de ler e, até, de dizer grandes princípios e admiráveis propostas e, depois, ver ou realizar, na prática, uma repetição cansativa das mesmas lições que não levam a grande coisa. Analisar e compreender esta incoerência é tarefa primordial se quisermos fazer algo de útil.
    Toda prática humana inclui quatro elementos fundamentais: uma idéia, uma realidade, um processo e um resultado. O ser humano tem, por exemplo, a idéia de que faria melhor seu trabalho se dispusesse de uma ferramenta; analisa a realidade, vendo de que dispõe, quais são as possibilidades e quais as dificuldades; organiza e produz um processo, ou seja, uma sucessão orgânica de ações, atitudes, regras e rotinas; com isto obtém um resultado. A idéia se converteu em resultado, isto é, a idéia se tornou fato. Mas isto só aconteceu porque houve um processo que foi coerente com a idéia e adequado à realidade.
    A escola perdeu a relação entre estes quatro elementos. Produz idéias: há uma multidão de propostas, tanto nos níveis de Ministério e de Conselhos de Educação, como dentro das próprias escolas. Queremos uma escola que seja vida, uma escola em que haja crescimento, criatividade, consciência crítica, responsabilidade, em que a aprendizagem ajude a pensar, a desenvolver a autonomia, etc. Mas desenvolvemos um processo que já está engessado e que nada tem a ver com a proposta nem com a realidade e, depois, nos queixamos da falta de resultado. Agimos como se quiséssemos a paz (idéia) e começássemos a dar tiros (processo); ou como se tivéssemos a idéia de produzir botões e utilizássemos uma máquina (processo) de fabricar giz.
     Em matéria de trabalho na escola, as idéias já estão razoavelmente elaboradas; quase todos aceitam a escola como lugar de crescimento, de vida, do educar-se; o que necessitamos agora é estruturar um processo apto a realizar tais valores, isto é, que seja eficiente porque possui a mesma substância das idéias que o originaram.
     Neste processo escolar, quatro elementos têm sido decisivos e têm conduzido todo o trabalho. E os quatro, no seu conjunto, estruturam o processo, não sendo possível produzir com ele nada mais do que as idéias que presidiram sua organização: domesticação e classificação. São eles:
          • o conteúdo preestabelecido (com matérias e disciplinas);
          • a nota;
         • o professor falando todo o tempo;
         • e as séries.
     Há quem pense (e são muitos ainda!) que se pode alcançar igualdade, cidadania, esperança, vida, liberdade, amor, consciência crítica, criatividade, solidariedade... com estas coisas. “O modo de fazer”, dizem, “é o que importa”. O fato de que a escola se torna, cada vez mais, lugar de tédio e o de que cada vez reprova mais os pobres, não são vistos.
    As propostas que se lerão a seguir não são propostas de novos ideais em educação; são propostas de novas estruturas que permitirão novos processos, exatamente para facilitar a realização de idéias já muito claras e difundidas.
                                     (GANDIN, Danilo. Medidas Essenciais para a Escola Hoje. Edições Loyola, São Paulo. Páginas 14-16).

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