segunda-feira, 26 de julho de 2010

VISÃO

(Publicco hoje uma crônica antiga que foi premiada no mês de julho de 1979, há mais de 30 anos, no Concurso Correio do Povo-Apesul, com participação do Instituto Estadual do Livro/RS. Na época não havia “shoppings” em Porto Alegre, só supermercados. Agora ela está publicada, também no livro "Crônicas para uma Nova Escola", da Editora Wak - http://www.wakeditora.com.br/)



     De repente, eu vi o monstro. Inquieto, insaciável, infindo, com enormes bocas funcionando sempre, engolindo e vomitando. E vi muitos monstros, inumeráveis, inquietos, insaciáveis, entrando e saindo, devorados pelo monstro e dele se nutrindo.
     Que ninguém se ria da minha visão. No foi sonho, foi lucidez. Existem monstros. Sempre existiram, pequenos e grandes. Negar seu domínio esconde o medo, não os destrói. O minotauro, a serpente marinha, Moby Dick... Cada tempo tem seu monstro. Cada monstro exige idolatria e repasto. O povo sabe e sofre; o poderoso desfaz, foge e oferece imolações.
     Não é fácil ver um monstro. Exige prática e estudo. Exige crença. Todos lhe pagam tributo; poucos o veem e só por pouco tempo. Ver exige procura, exige perseverança.
     De repente, eu vi o monstro. Muitos monstros. Um enorme, verdadeiro, imutável; outros, pequenos, estranhos, gente por um tempo, depois monstros e, de novo, quase gente.
     As carnes do monstro são tijolo e ferro, são concreto e aço. Suas entranhas são apetecíveis e mortais, são deslumbramento e são veneno.
     Não se riam da minha glória. Não é vão compreender o monstro; mas é fugaz. Sabê-lo custa muito; ele me quer tonto, não me quer atento; quer alimentar-me para aumentar sua força; quer meu sangue e quer que eu viva dele.
     As enormes bocas, insaciáveis, engolem gente e, ao mesmo tempo, inesgotáveis, vomitam massa humana. Nas entranhas, a transformação violenta: multiplicam-se os monstros, em luta amarga, a catar sustento, a buscar conforto, a consumir, inexoráveis. E o monstro se refaz: a cada golpe, incha e, quanto mais lhe tiram, mais lhe cresce o ventre.
     Não se zanguem comigo. Todos pensam que dominam. Todos julgam ser senhores. Garantem ser o monstro um grande escravo. Estão alegres por tê-lo junto a si. Sua grandeza é vaidade e traz orgulho.
     O monstro repele os fracos; suporta os outros; sacia os poderosos. Abre suas estantes, oferece prateleiras coloridas, deixa que levem agasalho e luxúria, alimento e gula, conforto e domínio. Concede privilégios: mais a quem se entrega, melhor a quem não vê.
     Perdoem-me por falar. O monstro tem seu tempo, existe agora. Quem o viu, fala, não pode calar. Se ninguém escuta, o pavor manda gritar.
     Como sempre: o monstro oculto, na visão de poucos, o povo inerte, idolatria, repasto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário