sábado, 4 de setembro de 2010

CURRÍCULO INCHADO

     Diferentemente da saúde, onde a tristeza é grande também, na escola pode-se realizar mudanças que não custariam muito dinheiro. Publico um texto que escrevi ainda no dia 20 de agosto, motivado pelo editorial de Zero Hora, um jornal aqui de Porto Alegre.

 Gostaria de acentuar que, no blog, foram introduzidas duas novas secções "jornais e revistas", para informar de alguma eventual entrevista ou artigo, e "slides de apresentações", onde publicarei instrumentos de power point que, por acaso, usarei nas minhas palestras e cursos - poucas vezes uso este tipo de material. Nas duas secções há algo publicado; para a segunda, chamo a atenção dos mais de 2000 professores e professoras que me acompanharam no Congresso Conhecer que lá estão os slides que usei naquele dia e que muitos me pedem.

     Um dos editoriais de Zero Hora de 19/8/2010 aborda aquele que é, provavelmente, o mais importante e problemático elemento no ensino básico de hoje: as escolas não sabem mais o que fazer para dar conta do volume de conteúdos e dos acréscimos que deputados e senadores incluíram e querem incluir no currículo. O editorial mostra como isto está sendo um fator que diminui a dedicação das escolas em garantir aquilo que é fundamental como meio (ler, escrever e contar) e aquilo que deve ser o fim do trabalho escolar, expresso com simplicidade pela Unesco: quatro aprendizagens fundamentais, enunciadas como o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a fazer e o aprender a conviver.

     Todos sentimos, como diz o editorial, que as crianças estão aprendendo cada vez menos e, sobretudo, estão ficando fracas naquilo que são as questões fundamentais para o desenvolvimento pessoa e o da sociedade. Os legisladores, desejosos de contribuir, propõem leis acrescentando disciplinas, sem se dar conta das bases teóricas da questão.

     Há um grande e complexo motivo para que todos possam dizer que o ensino básico piorou nos últimos tempos. Isto precisa ser levado em conta na construção do currículo – as autoridades devem intervir com energia e os educadores precisam aprofundar seus estudos. As exigências que as novas realidades construíram não permitem mais iluminar as questões e tomar decisões apenas com base em princípios e paradigmas estabelecidos. Primeiro: todos passaram a entrar na escola; saímos muito rapidamente de um momento em que poucos podiam chegar à escola (até a década de 60) para um ingresso quase universal no final do século passado; estes novos alunos necessitam realmente de uma escola que ensine, que se aplique ao que é essencial, que faça escolhas; são alunos que não trazem de casa as condições de progredir numa escola formal e livresca. Segundo: a escola continua a pensar que ela é um lugar de “preparação para a vida”, quando a realidade contemporânea nos deixa claro – as boas teorias educacionais acompanham isto – que todo o momento, inclusive o escolar é momento de viver e que este viver intenso e refletido nos leva a estarmos cada vez mais preparados

     Este currículo pobre que os legisladores tentam equivocadamente enriquecer baseia-se em duas premissas, válidas para o final do século 18 e para o século 19, quando a escola de hoje se construiu. A primeira é que cada aluno deveria absorver todo o saber que a humanidade havia construído através da História. Isto, já impossível então, mostra-se hoje como insanidade. A segunda, como um corolário, era de que esta passagem por todas as disciplinas serviria para que o aluno pudesse escolher em que direção iria fazer sua especialização mais tarde. A expansão incalculável do saber e a universalização do ingresso na escola fizeram pó destas duas pretensões. Mas a escola não se repensou.

     A única solução será a de preparar educadores, na universidade, em duas vertentes: que sejam intelectuais, compreendendo melhor a natureza e a sociedade e a cultura, sem preocupação com especializações; e que, ao mesmo tempo, compreendam o que é essencial e qual é o processo para ajudar o crescimento das crianças e adolescentes em termos de saber, de habilidades e de construção de hierarquias de valores. Cada turma de alunos seria assistida por um destes educadores, que os ajudaria a definir suas verdades, suas dúvidas e suas inquietações frente à natureza e à sociedade, junto com as ferramentas necessárias para construir este saber, este ser, este fazer e este conviver.

2 comentários:

  1. Concordo plenamente. Chega de fragmentação, de Ratio Studiorum, de desperdício do potencial de tantos jovens. De nada adianta remendar os currículos escolares enquanto não mudarmos a formação acadêmica dos professores. A proposta me parece interessante: cada educador-intelectual assumiria uma turma e seria como um orientador de sua caminhada pelos mais variados caminhos do conhecimento. Perfeito.(Profa. Luciana Soares)

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  2. O pior é que não só os legisladores estão agarrados a essa ideia mas alguns educadores também. Talvez isso colabore para as mudanças parecerem tão distantes.

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