domingo, 19 de setembro de 2010

Entrevista - Gazeta - ES - Danilo Gandin


18/09/2010 - 22h12 - Atualizado em 18/09/2010 - 22h12

Entrevista - Gazeta - ES 

Danilo Gandin, Mestre em Educação e autor de 9 livros sobre o tema

Publicado no jornal A GAZETA

por Claudia Feliz
cfeliz@redegazeta.com.br  

Aos 73 anos, ele subverte a ordem estabelecida, pelo menos no que diz respeito à sua especialidade: a Educação. O educador Danilo Gandin é contrário ao livro didático, que segundo ele infantiliza os professores, e defende uma mudança radical na forma como as escolas vêm tratando os alunos, a partir da definição de um projeto político-pedagógico onde o autoritarismo e o conteúdo voltado para o vestibular não têm lugar. É bom que se diga, também, que Gandin é contra o vestibular, na forma como ele existe. 


Gazeta - Como é essa nova escola que vocês, estudiosos, defendem?


Danilo Gandin - Os da minha linha defendem aquela onde o aluno seja tratado de uma maneira muito menos autoritária do que atualmente, mas não no sentido de deixá-lo fazer o que quer, e sim onde haja um projeto político-pedagógico do qual os alunos também participem. Isso está no pensamento, e não na prática, das escolas, hoje. 


Gazeta - O que o senhor aponta de ruim nas escolas?


Danilo Gandin - O seu processo, que teve origem no século 18 e se firmou no século 19, com base em dois pontos. O primeiro: a escola deve passar para o aluno conhecimento que a humanidade construiu através da história. Ora, assim que a ciência se firma, isso passa ser uma coisa maluca, que não se aplica à atualidade. Porque se lá no século 19 havia umas 40 profissões possíveis, hoje há mais de oito mil. Segundo: a ideia era de que todo mundo passasse por todas as áreas do conhecimento para fazer uma escolha. O vestibular fica sendo o fim da escola, e esse processo tem que ter um conteúdo preestabelecido, nota, séries, um professor falando o tempo todo. A escola de hoje, por causa disso, comete um crime muito grande.


Gazeta - E qual é esse crime?


Danilo Gandin - Tudo o que importa ao cidadão fica fora do conhecimento da escola. Economia, política, direito, saúde, psicologia. sexualidade, etc. - embora haja tentativas isoladas. A escola está dominada pela Física, pela Química, pela Matemática, pela Biologia. Enquanto no século 19 20% entravam na escola, hoje todo mundo entra e, embora a escola tenha novas ideias, continua com um processo antigo, com um conteúdo para especialista. 


Gazeta - Por isso, torna-se desinteressante para os jovens?


Danilo Gandin - Completamente. O aluno às vezes passa sete, oito anos na escola, e sai dela com escolaridade de quarta série.


Gazeta - O mundo mudou e a escola não percebeu?


Danilo Gandin - Exatamente. E mudou também nas ideias. A escola atual, voltada para o vestibular, serve um pouquinho para os ricos, mas não serve nada para os pobres. 


Gazeta - O senhor defende o fim do vestibular?


Danilo Gandin - Sim, mas, por enquanto, defendo o sorteio entre os que terminam o ensino médio, já que as universidades não querem fazer uma avaliação aprofundada, inclusive vocacional, para uma seleção melhor. Elas querem ser seletivas e objetivas. Por isso aplicam perguntas difíceis, médias e fáceis, e usam o método de responder marcando com um x, o que se reflete na escola do ensino médio. O vestibular não consegue, realmente, selecionar os melhores. Mas o Enem está caminhando para a direção de uma verificação de habilidades e não de conhecimentos.


Gazeta - É um modelo mais próximo do ideal?


Danilo Gandin - Já é uma caminhada. Mas defendo uma mudança global na escola, que deveria construir um saber em cima da sociedade e da natureza, mas nada tão especializado. O conteúdo não tem que ser preestabelecido, o professor não tem que falar o tempo todo. É preciso que as 7.200 horas do ensino fundamental sejam usadas para aprendizagem do que interessa ao cidadão. 


Gazeta - Que ferramentas a escola não pode deixar de fornecer?


Danilo Gandin - A leitura e a escrita, além de noções de Matemática - para que seja possível fazer contas. 


Gazeta - Não há como fugir: hoje, muitas escolas buscam a aprovação do aluno no vestibular.


Danilo Gandin - E não dão à sociedade o resultado que ela deseja, que é de formação de pessoas autônomas, criativas, responsáveis, que desenvolvam suas habilidades, que vivenciem valores e tenham, naturalmente, conhecimentos básicos. Mas, hoje, se os filhos não estudam aquilo que os pais estudaram, eles ficam desconfiados da escola, esquecendo-se que o mundo mudou totalmente. 


Gazeta - Há mesmo um saudosismo, sobre o fato de que a escola do passado era melhor.


Danilo Gandin - E ela não era melhor, mas no passado as pessoas não tinham informações como a gente tem hoje. Então a escola passava informações e elas eram absorvidas pelos alunos. Não se pensava a educação como criadora de hierarquia de valores, de habilidades, se pensava a escola como um lugar onde se aprendia alguma coisa. A educação era muito mais forte nas famílias, o mundo era homogêneo, todo mundo sabia o caminho do céu e do inferno (risos). A escola era capaz de atender a aqueles poucos alunos que entravam. Hoje, você põe todo mundo lá dentro e quer falar a mesma linguagem. Por isso não é correto dizer que a escola piorou. Na realidade, ela ficou igual, mas isso é terrível, porque não foi capaz de se repensar a partir de ideias novas. Ela ficou para trás.


Gazeta - O que nos diferencia em relação à educação dos países desenvolvidos? Como podemos dar um salto de qualidade?


Danilo Gandin - Falando de ensino básico, um país tem melhor educação porque tem mais dinheiro, e não tem mais dinheiro porque tem melhor educação. A escola sempre é uma reprodução da sociedade, com seus defeitos e virtudes. A escola precisa olhar a sociedade, e fazer um projeto pedagógico que ajude a construir o que ela - escola - vai escolher. Muitos professores dizem que querem desenvolver cidadania, respeito, responsabilidade, mas o processo, o que se faz na escola, é incoerente com essas ideias. Hoje, a escola é menos importante para o conhecimento do que a mídia, e é muito mais autoritária do que a sociedade. Ela reproduz o que é pior. Em países desenvolvidos, a cultura é repassada para a escola. Nos Estados Unidos, quase não estudam Geografia, focam bastante Matemática. Porque a sociedade é centrada em si mesma e não se interessa pelo resto do mundo.


Gazeta - Como educador, o senhor acha correto?


Danilo Gandin - Não, horrível! Insisto: a escola hoje é chamada a reproduzir a sociedade naquilo que ela escolhe reproduzir. 


Gazeta - Mas o processo envolve uma sociedade onde a escola está inserida, a família, professores, alunos. E uma das grandes queixas da escola, hoje, é sobre a ausência da família.


Danilo Gandin - As famílias são assim porque nossa sociedade está perdida no seu rumo. A gente critica os políticos que roubam, mas a nossa sociedade é corrupta no seu dia a dia, nas pequenas coisas. E a escola pode fazer alguma coisa? Sim. Mas ela tem que tomar consciência disso e fazer um planejamento de forma a poder intervir nessa realidade. 


Gazeta - O senhor é contrário ao livro didático. Por quê?


Danilo Gandin - Porque ele limita, infantiliza os professores. Defendo a extinção do livro didático e a criação de um programa de apoio pedagógico às escolas, oferecendo a elas jornais, revistas, vídeos. A maioria dos professores de ensino fundamental e médio, pode crer, não consegue ter um jornal, uma revista para ler. É claro que é muito mais agradável assistir na TV a um programa sobre a vida de Dom Pedro I do que ouvir a professora falar sobre isso em sala de aula, presa ao que está em um livro didático.


Gazeta - E sobre a escola de tempo integral? O que o senhor pensa? 


Danilo Gandin - Para repetir os logaritmos? Reproduzir o modelo atual? Se é para fazer com que elas aprendam mais, vão perder tempo. E se for para proteger as crianças do risco das ruas, isso não é assunto educacional. 


Gazeta - Mas o senhor acha que há "salvação"?

Danilo Gandin - Olha, eu acredito muito na escola. Senão, estaria aposentado e jogando bocha (risos). A escola pode ajudar a transformar a sociedade. Para mim, o momento é de semear ideias e difundi-las. Quando Galileu disse que a Terra se movia, quase queimaram ele. Não sou soberbo, mas estou convencido que as ideias que nós educadores estamos gerando agora, um dia serão aceitas de forma tranquila.

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