Disse-me Maria de Lourdes, professora e minha esposa, que, na primeira metade do século vinte, quando se dizia “o” professor, “a” professora estava-se falando do professor e da professora do bairro ou da cidadezinha. Concluiu dizendo que, ao mencionar “o” professor, hoje, estamos falando de Ruy Carlos Ostermann, de Steve Jobs ou de outro que nos tenha dado motivo para destaque. Acrescentou, depois, que este é um dos motivos, entre muitos, das dificuldades que a escola enfrenta hoje.
Analisando a questão, concluímos, ela e eu, que mudou quase tudo dentro da sociedade (mudaram as exigências de conhecimento e de habilidades, multiplicaram-se as hierarquias de valores possíveis, apareceu a necessidade de alfabetização digital e política...), mas a escola, por imposição social, teve que ficar igual.
Professores tiveram sua vida complicada. Não é mais possível ser completo como era um professor daquele tempo. O mundo era mais simples; um professor dominava tudo o que se pensava que um aluno deveria saber; a hierarquia de valores era sólida e única; bastava ser um professor repetitivo, ser carinhoso, exercer o domínio natural sobre o aluno no que concerne aos valores padronizados, ter uma vida moral ilibada e passar por sábio.
Hoje, todas as crianças podem ir à escola, trazem conhecimentos em profusão e têm aptidão para decidir várias coisas sobre seus caminhos na vida. A mesma lição, repetida do mesmo livro, pelo professor, tornou-se enfadonha e inútil. A sociedade e muitíssimos professores deram-se conta da necessidade de uma nova escola, com um novo currículo em termos de conteúdo, avaliação, metodologia e participação. Mas é proibido mudar! Alunos devem ser domesticados – ninguém usa esta palavra, é claro – e, como os pais não sabem mais como fazer isto, encarregam a escola desta tarefa.
Uma decisão sobre a vida do professor é necessária e urgente. Um programa de profissionalização é a única possibilidade viável. Professores precisam ser preparados como médicos: preservando e desenvolvendo o senso de cuidador que vem da vocação, o professor precisa estudar o ser humano, suas fases e suas necessidades com maior iluminação teórica. É claro que ser professor – pelo menos no ensino básico – é mais complexo do que ser médico. Tente reunir a hierarquia de valores necessária para o médico, a complexidade que é tratar de um ser humano e todo o conhecimento para isto necessário e você terá apenas o começo do que um professor precisa: além disto tudo, ele deve ter uma visão de mundo e de vida, construída junto com um grupo docente, e estar capacitado para uma ação sobre as pessoas separadamente e sobre a cultura que, juntos, construímos e reconstruímos incessantemente.
Ser repetidor de lições do livro didático é excluir o cidadão de todo o conhecimento cósmico que hoje se nos apresenta e propiciar-lhe fatiazinhas de conhecimento ressecado como um churrasco carbonizado. Pior do que isto é acentuar a inconsciência ou a consciência mítica e ingênua de que nos fala Paulo Freire.
Onde estão as autoridades, cadê a imprensa, o que pensam as faculdades de formação de professores, que Mandraque imobilizou a nós, professores? Por que sumiram as antigas "escolas normais", se a faculdade não dá conta do ser pessoa que nelas existia?
Nenhum comentário:
Postar um comentário