terça-feira, 24 de junho de 2014

SEMPRE ÀS TERÇAS - Hoje é terça, 24 de junho de 2014


 

UNIVERSIDADE, SISU, ENEM E VESTIBULAR

                                                                                 
Santa Maria, no Rio Grande do Sul, estava em pé de guerra. Fui lá ver. A Universidade Federal da cidade trocou seu vestibular tradicional pelo SISU que tem base no ENEM. Ficaram indignados os setores economicamente mais poderosos. Tornou-se mais agudo o debate.
No mesmo Estado, a UFRGS, de Porto Alegre, começa a seguir, mais gradativamente, o mesmo processo: já aparecem as dores do parto.
 
O ENEM é melhor? Penso que sim, embora melhor muitas vezes não seja bom. Mas, pelo menos, ele se aproxima daquilo que são as grandes linhas do pensamento educacional da atualidade: o ensino básico é tempo de educar-se. Educar-se significa, essencialmente, construir sua própria identidade e apropriar-se de instrumentos para participar na sociedade. Construir sua identidade quer dizer organizar-se, como consciência, com base numa hierarquia de valores, construída na vida e no livre debate na escola e em outros campos. Apropriar-se de instrumentos para participar significa o desenvolvimento das capacidades de aprender cada vez mais, de ser, de fazer e de conviver que, segundo a UNESCO, são os pilares de toda a educação. O maior defeito do ENEM é a saudade dos conteúdos disciplinares do vestibular. Embora fazendo um esforço claro para livrar-se deles, ainda faz concessões às matérias tradicionais: pinta os conteúdos formalizados das matérias tradicionais com tintas em que aparecem padeiros, engenheiros, donas de casa e muitos outros profissionais. Finge, assim, que as questões que apresenta, ligam-se à vida. Perde a globalidade desejada e a grandeza do conhecimento amplo que só pode vir da transdisciplinaridade.

O vestibular, entronizado como a melhor alternativa para escolher alunos para a universidade, fixa-se em detalhes de conhecimentos disciplinares, completamente formais e dispensáveis para a vida comum de todos nós. Aqueles que vão especializar-se, na universidade ou em outros cursos profissionalizantes, deverão estudar alguns destes conteúdos, de uma forma científica e não do modo escolar.

É preciso superar o ENEM e o vestibular. A grande questão ética é verificar as consequências que este ou aquele método de ingresso vai ter sobre o ensino básico e sobre a sociedade; nisto, a questão se resume a uma luta insana de conservação de privilégios ou ao embate democrático. Hoje as escolas dão mais atenção a treinar os alunos para passarem no vestibular (ou no ENEM) do que em criar espaços, processos, técnicas e instrumentos para que se eduquem. Com isto, chegamos a um desastre bizarro: reprovamos crianças no ensino fundamental porque, se não, elas não estariam preparadas, mais tarde, para prestar exames vestibulares.
 
Enfim, um dia compreenderemos: só há dois caminhos enquanto não houver vagas para todos no ensino superior.
Um deles é sortear os que vão entrar, dentre aqueles que concluíram o ensino médio. As pessoas podem pensar que isto não é democrático ou que vai baixar o ensino da universidade. Não existe, porém, neste campo, nada mais democrático: todos iguais, a partir de um patamar em que todos chegaram. E cuidar que os universitários aprendam é tarefa da universidade.
O outro é fazer uma verdadeira seleção, descobrindo vocações e verificando os que têm aptidões, como autonomia, consciência crítica, capacidade de ler e de escrever e outras habilidades necessárias. Não é tão democrático, mas parece eticamente sustentável por enquanto.

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