UNIVERSIDADE,
SISU, ENEM E VESTIBULAR
Santa Maria, no Rio Grande do Sul, estava em pé de guerra. Fui lá ver. A Universidade Federal da cidade trocou seu
vestibular tradicional pelo SISU que tem base no ENEM. Ficaram indignados os
setores economicamente mais poderosos. Tornou-se mais agudo o debate.
No mesmo Estado, a UFRGS, de Porto Alegre, começa a seguir, mais gradativamente, o mesmo processo: já aparecem as dores do parto.
O ENEM é
melhor? Penso que sim, embora melhor muitas vezes não seja bom. Mas, pelo menos,
ele se aproxima daquilo que são as grandes linhas do pensamento educacional da
atualidade: o ensino básico é tempo de educar-se. Educar-se significa,
essencialmente, construir sua própria identidade e apropriar-se de instrumentos
para participar na sociedade. Construir sua identidade quer dizer organizar-se,
como consciência, com base numa hierarquia de valores, construída na vida e no
livre debate na escola e em outros campos. Apropriar-se de instrumentos para
participar significa o desenvolvimento das capacidades de aprender cada vez
mais, de ser, de fazer e de conviver que, segundo a UNESCO, são os pilares
de toda a educação. O maior defeito do ENEM é a saudade dos conteúdos
disciplinares do vestibular. Embora fazendo um esforço claro para livrar-se
deles, ainda faz concessões às matérias tradicionais: pinta os conteúdos
formalizados das matérias tradicionais com tintas em que aparecem padeiros, engenheiros,
donas de casa e muitos outros profissionais. Finge, assim, que as questões que
apresenta, ligam-se à vida. Perde a globalidade desejada e a grandeza do
conhecimento amplo que só pode vir da transdisciplinaridade.
O
vestibular, entronizado como a melhor alternativa para escolher alunos para a
universidade, fixa-se em detalhes de conhecimentos disciplinares, completamente
formais e dispensáveis para a vida comum de todos nós. Aqueles que vão
especializar-se, na universidade ou em outros cursos profissionalizantes,
deverão estudar alguns destes conteúdos, de uma forma científica e não do modo
escolar.
É preciso
superar o ENEM e o vestibular. A grande questão ética é verificar as
consequências que este ou aquele método de ingresso vai ter sobre o ensino
básico e sobre a sociedade; nisto, a questão se resume a uma luta insana de
conservação de privilégios ou ao embate democrático. Hoje as escolas dão mais
atenção a treinar os alunos para passarem no vestibular (ou no ENEM) do que em
criar espaços, processos, técnicas e instrumentos para que se eduquem. Com
isto, chegamos a um desastre bizarro: reprovamos crianças no ensino fundamental
porque, se não, elas não estariam preparadas, mais tarde, para prestar exames
vestibulares.
Enfim, um dia compreenderemos: só há dois caminhos enquanto não houver vagas para todos no ensino superior.
Um deles é sortear os que vão entrar, dentre aqueles que concluíram o ensino médio. As pessoas podem pensar que isto não é democrático ou que vai baixar o ensino da universidade. Não existe, porém, neste campo, nada mais democrático: todos iguais, a partir de um patamar em que todos chegaram. E cuidar que os universitários aprendam é tarefa da universidade.
O outro é fazer uma verdadeira seleção, descobrindo vocações e verificando os que têm aptidões, como autonomia, consciência crítica, capacidade de ler e de escrever e outras habilidades necessárias. Não é tão democrático, mas parece eticamente sustentável por enquanto.
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