terça-feira, 22 de junho de 2010

POR UMA EDUCAÇÃO BÁSICA PARA TODOS

Fiquei ausente deste espaço por um tempo. Viagens, trabalho e futebol contribuíram para isto. Nos últimos dias, certamente foi o futebol. Gosto muito deste esporte e gostei da energia com que estão jogando e das qualidades de conjunto de algumas seleções. Não tenho mais viagens de trabalho até o fim da copa: é melhor porque em todo o canto há rádios e televisões distraindo a todos.
Reproduzo um dos textos meus dos que mais gosto entre os recentes: ele encara aquele que, provavelmente, é o maior problema da escola hoje. Gostaria muito que se passasse a debater, nas escolas de professores, sobre aquilo que se deve viver na escola básica. Não consigo entender por que não se faz isto.

O currículo atual da escola básica tira sua força de duas premissas estabelecidas desde o século 18 e amadas no século 19. Embora estejam conscientes para poucos educadores, elas determinam de maneira total a escola de hoje. Uma dessas premissas é que a escola deve transmitir, às crianças e aos adolescentes, todo o conhecimento que a humanidade construiu através da Historia. A outra é que as crianças e, sobretudo, os adolescentes devem experimentar, na escola, as diversas possibilidades de carreira que poderiam seguir na universidade – por isto se deve oferecer-lhes todas as disciplinas em que se divide o conhecimento.

Imagino que muitas pessoas riram gostosamente do que está escrito acima, umas porque pensaram que é totalmente absurdo julgar que tal coisa seja verdade, outras porque, sabendo que é assim, calcularam a insensatez desta forma de agir.

Basta consultar livros didáticos e textos de pedagogia publicados no século vinte para se ter a convicção de que assim foi. E basta olhar os males que caem sobre a escola hoje para ver que assim continua sendo. Mesmo que, a partir do final do século passado, pouca gente se atrevesse a repetir tais coisas, os fundamentos para o currículo mantiveram-se intactos.

Primeiro, todas as disciplinas “clássicas” foram incluídas na “grade curricular” do ginásio e do colegial (ensino secundário); depois, à medida que necessidades “científicas” fizeram sua pressão, a “grade” se agigantou, ao ponto de ser necessário dividir o colegial em duas vertentes, o clássico e o científico. A pressão tecnológica e a ilusão de que haveria trabalho para todos, forçaram a inclusão, no currículo, de disciplinas profissionalizantes. Recentemente e, sobretudo, atualmente, a força é a das verdadeiras necessidades de uma educação básica: a economia, a política, o direito, a saúde, a sexualidade, a ética, a sobrevivência do planeta, o respeito às diferenças, a paz, a solidariedade etc. etc. Mas, como não há mais espaço na “grade”, criou-se algo bizarro, verdadeiro estelionato pedagógico: aquilo que é fundamental e imprescindível, aquilo do qual nenhum ser humano civilizado pode eximir-se, é incluído “de través ou obliquamente”, na forma de “conteúdos transversais”. (Como não posso incluir uma nota, acrescento um parêntesis com duas observações: é o dicionário que iguala “transversal” a “de través”; e, embora excelentes, os conteúdos transversais são muito limitados porque não incluem aspectos importantíssimos para a educação necessária hoje e nunca funcionarão nesta escola sobrecarregada). Outra consequência desta nova pressão é o trabalho de nossos deputados (também os estaduais) e senadores: quase todos têm, em suas gavetas ou tramitando, projetos para a inclusão de novas disciplinas, para propiciar conhecimentos de conteúdos “que são imprescindíveis”.

Os tempos mudaram. Nestas mudanças, há duas circunstâncias que deveriam fazer as autoridades e as escolas – estas não podem mais sem a força daquelas – não só mudar a “grade” como aboli-la de uma vez por todas. A primeira é que o conhecimento ampliou-se de tal maneira que necessitaríamos mais do que 800 disciplinas para abrangê-lo e a segunda, que todos podem entrar na escola. Não se trata mais de um ensino para poucos nem de poucas disciplinas, como era na criação deste currículo, mas de uma educação para todos num complexo de conhecimentos, absolutamente inatingível para uma pessoa, um grupo ou uma instituição. As crianças e os adolescentes precisam de alguém que os oriente no campo do saber, não alguém que saiba tudo – não existem tais pessoas – para ensinar-lhes.

Para que uma nação se mantenha unida não é necessário que todos saibam as mesmas coisas, antes o contrário é importante, que pessoas diferentes conheçam coisas diferentes; o necessário é que uma boa percentagem se encontre numa hierarquia de valores capaz de construir uma identidade.

Por tudo isto, o ensino básico precisa ser pensado de maneira diferente. Nele não precisamos de grades curriculares – é bem diferente no ensino superior ou no profissionalizante em geral, onde elas são imprescindíveis. O ensino básico deve ser um tempo de crescer como pessoa humana e, para isto (ou por isto), é um tempo de: 1. dominar algumas ferramentas, como a leitura e a escrita firmes e criativas, os fundamentos matemáticos de fazer contas, compreender gráficos, percentagens..., o método científico de compreender e de transformar a realidade...; 2. construir hierarquias de valores, pessoais e de grupo; 3. desenvolver habilidades, algumas para todos, outras conforme a disposição de cada um e cada uma; 4. compreender melhor, não em forma de disciplinas, mas de estudo de temas – através, por exemplo, de projetos de estudo – os fenômenos da natureza e das sociedades e de suas culturas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário