segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A TRANSDISCIPLINARIDADE NOS PROCESSOS ESCOLARES

     Por causa de pedidos de educadores de VIAMÃO-RS e de MARINGA-PR, onde estive em agosto e setembro respectivamente, publico algumas ideias retiradas de palestras proferidas, nestas duas cidades, abrangendo, em Maringá, muitos outros municípios e, em Viamão, predominantemente professoras e professoras deste município.
                                                                                  
1.     A escola de ensino básico atual nasceu composta por disciplinas, cada uma ensinada aos alunos separadamente da outra. Outra coisa não se poderia esperar, dado o momento em que isto aconteceu, momento que apostava na especialização como meio de apropriar-se do conhecimento. Estamos no final do século 18 e o século 19 apenas confirma o modelo. A escola foi feita à imagem do Iluminismo e da Modernidade, tanto no que se refere à inspiração – escola e, por isto, saber para todos – como no que diz respeito ao modo de organizar-se – a especialização é o fascínio do momento. Como consequência, temos o seguinte resultado: aos alunos se oferecem todas as disciplinas consolidadas da época, ensinadas com suporte racionalista.


2.     Devemos lembrar que tudo isto tem fundamentos claros e fim bem definido. Buscava-se o supremo ideal do ensino, o de que cada pessoa dominasse todo o saber construído pela humanidade através da História ou, pelo menos, tivesse conhecimento preliminar sobre todas as disciplinas importantes. Buscava-se, também, por meio deste modelo, que cada aluno, quase só meninos, se tornasse apto a escolher a profissão dentro da qual iria viver no futuro.


3.     Reflita, prezado leitor e distinta leitora, sobre como até recentemente as faculdades de educação divulgavam estas ideias como fundamento para o crime do vestibular e para a organização do ensino básico! Não, não me diga que ainda há quem repita isto hoje. Não, por favor, não diga! Guarde para você, se não eu lhe conto do general que quer fabricar catapultas para enfrentar as guerras atuais.


4.     A propósito: os professores de hoje não devem ser culpados pelo desastre que, juntos, fazemos – isto é culpa das estruturas fechadas que a sociedade e as autoridades, em especial os conselhos de educação, permitem e incentivam. Nossa culpa é agir como médicos que continuassem a aplicar sangrias e sanguessugas nos pacientes, com toda a tranquilidade e reclamando dos resultados. Nossa culpa é aceitar – olhem nossos sindicatos! – que se passem quatro ou cinco disciplinas, assim mesmo de maneira seca e artificial, mais para um esdrúxulo vestibular do que para qualquer outra coisa, e deixar de lado toda a riqueza de conhecimento que hoje está à disposição.


5.     Quando tudo muda em relação ao século 19 – a escola se democratiza no que se refere à quantidade e quase todos passam a frequentá-la, o conhecimento se expande de modo que não se pode medir, a tecnologia passa a fazer parte do cotidiano e já não se pode viver sem usá-la, o antropocentrismo cede lugar a uma visão cósmica – quando tudo isto acontece, a escola morre como instituição; ela não consegue mudar como a lagarta que se encasula para virar borboleta e seguir vivendo para cumprir seu destino: prefere manter a forma e esquecer sua finalidade.


6.     Mil e um passes de mágica são tentados: mais tempo de aula, melhor gestão, mais coerção sobre alunos e sobre professores, perfumarias de pequenas festas e eventos, “temas transversais”, diretrizes de vários tipos, autoajuda, profetas da Economia, uso infantil de computadores, magníficos(?) quadros digitais, ENEM, integração artificial de disciplinas... Mas a escola não ressuscita porque a questão não está nisto: está nesta incrível insensatez que é manter algumas disciplinas dizendo que elas trazem o saber do mundo e esquecer todo o conhecimento que temos sobre a natureza e sobre a sociedade. Senadores e deputados são os mais sensíveis para perceber o impasse; é por isso que tentam resolver tudo à moda Dom Quixote – que me perdoem este adorável herói e seu criador Dom Cervantes: já produziram uns 300 projetos de lei, tentando incluir, no currículo escolar, temas e disciplinas “absolutamente” necessários para as crianças e adolescentes do Brasil. Não sabem fazer a mudança ou preferem deixar tudo como está?


7.     Alguns outros heróis, em geral educadores, pensaram na interdisciplinaridade. Bela tentativa, mas ainda inútil. A interdisciplinaridade supõe a existência de disciplinas que devem “integrar-se”. De qualquer modo chegaríamos a 300 disciplinas necessárias e ficaríamos frente ao que acontece hoje, uma integração frouxa e esporádica. Tenho que insistir que estou falando sobre o ensino básico; o ensino superior e todo o profissionalizante, como são especializações, têm que ser disciplinares.


8.     A transdisciplinaridade não pensa em disciplinas, transcende-as, isto é, passa para além delas e se propõe a trabalhar com temas. Se um grupo de alunos põe-se a estudar “os mamíferos” ou “as formas de governo” não se estará especializando, estará apenas compreendendo melhor os mamíferos e os governos, independente de disciplinas – por favor: sem pensar nelas. Este estudo tem que ser científico e pode ser ideológico, no sentido mais amplo da palavra, no sentido de que as pessoas estarão mais inclinadas a pensar de uma ou de outra maneira.


9.     Falar em transdisciplinaridade não é ficar no mundo da lua. É participar deste mundo novo, pensado por J. Derrida, E. Morin, P. Freire, para citar alguém, e por instituições como a UNESCO que nos pede para ajudar as crianças e os adolescentes a aprender o que importa: a aprender, a ser, a fazer e a conviver. Sejamos coerentes: nunca poderemos alcançar algo parecido com as quatro ou cinco disciplinas que hoje a escola “passa” como quem se desincumbe de uma tarefa no descarregamento de um navio no porto.


10.  Há duas linhas de trabalho possíveis na implantação da transdisciplinaridade: *reconstruir o ensino básico, tornando-o transdisciplinar *e adotar mudanças pequenas que para lá conduzam, enquanto esta revolução não se realiza.


11.  Primeira (transformação global): A escola do futuro – falo só da básica – terá um professor único por turma de alunos, o professor de referência, ajudando-os a se educarem, sobretudo a se munirem de conhecimentos sobre a natureza e sobre a cultura para poderem desempenhar seu papel na sociedade. Obviamente este professor não sabe tudo e sua missão será a de ajudar a descobrir o conhecimento. Estes professores terão a assessoria de especialistas, nas matérias julgadas necessárias ou mais importantes, para duas tarefas: orientar os professores de referência, no seu planejamento, destacando o que é básico na sua disciplina, e comparecer à sala de aula, se professor de referência e alunos precisarem de esclarecimentos ulteriores. Obviamente esta é uma prática que professores e diretores terão dificuldades de implantar; algumas escolas poderão fazê-lo, mas não todas. Para isto necessária será a intervenção das autoridades.


12.  Segunda (caminhada feliz): O que as escolas podem fazer imediatamente, por sua conta, é caminhar rumo à transdisciplinaridade. Já sabemos como dizia Millôr Fernandes, que a verdade ou a perfeição consiste em buscar uma ou outra, não em alcançá-la. Há três práticas, bastante alcançáveis, aprovadas por todas as diretrizes existentes: mudar o enfoque do planejamento da sala de aula, trabalhar com projetos e utilizar tecnologia que desmonte as estruturas existentes.


13.  Mudar o enfoque do planejamento significa deixar de pensar apenas no operacional (como fazer, com que fazer...) e incluir um pensamento caminhando para o estratégico ( o que fazer e, sobretudo, para que fazê-lo); na prática, significa abandonar aquele quadrinho costumeiro e inútil e utilizar um novo modelo de plano que diga: o que queremos alcançar com esta matéria ou série (referencial), como estão meus alunos, desta turma, frente a estes ideais (diagnóstico) e o que vamos fazer e como vamos ser, eu e os alunos, para caminharmos na direção do ideal (programação). O que o professor notará imediatamente com isto é que, mesmo que não mude completamente o ensino, ele, professor, poderá escolher melhor o conteúdo mais importante e introduzir, em suas aulas, temas mais vitais e mais adequados àqueles alunos reais. Chamo a atenção para um de meus livros, “Planejamento na Sala de Aula”, da Editora Vozes, que trabalha esta questão com detalhes, propondo conceitos, modelos, instrumentos e técnicas para uma escola que seja vida.


14.  Trabalhar com projetos de estudo é mais simples. Seja contra os grandes projetos de toda a escola, tipo temas geradores, que, além de serem chatos, apenas tapeiam e confundem. Seja contra os projetos que incluem mais de uma disciplina: eles não terão vida longa. Busque, para cada semestre, realizar um projeto – pequeno e rápido – com seus alunos, dentro de sua disciplina. Vá aumentando a frequência (às vezes, a extensão), segundo os resultados que for conseguindo. Nem falo das professoras das primeiras séries do ensino fundamental que devem ter coragem e trabalhar sempre por projetos de estudo. Sugiro dois livros, ambos das EDIÇÕES LOYOLA  - www.loyola.com.br: “Organização de projetos na escola - Um sonho possível!” (FRANKE, Soraya da Silveira, GANDIN, Adriana Beatriz) e “Metodologia de projetos na sala de aula - Relato de uma experiência” (GANDIN, Adriana Beatriz).


15.  A utilização de tecnologias dirige-se especialmente à utilização de tablets em sala de aula, por sua maior flexibilidade e facilidade de uso em relação aos microcomputadores. Faço parte, como assessor filosófico-pedagógico, de um grupo de professores, com muita vivência em projetos de estudo e uso de tablets que, como especialistas em projetos de estudos em sala de aula e na utilização de tablets, ajudam escolas e municípios, preparando professoras e professores, a implantar um ensino com visão transdisciplinar. O grupo escolheu o Ipad como ferramenta. Você pode encontrar o grupo no seguinte endereço: www.ipadnasaladeaula.com.br

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