Há situações
que se repetem periodicamente. Muitas vezes não quer dizer que desapareçam em
algum momento, mas sim que, por entrarem na mídia, nos pareça que existam e,
por dela saírem, sintamos como se tivessem sumido.
Um exemplo é a reprovação no ensino médio de que tanto se
fala agora, que sempre esteve conosco e que “ninguém sabia que existia”.
Lembro-me
que, quando fui, há mais de 30 anos, diretor adjunto do Departamento de
Educação Média da Secretaria de Educação do Estado, aconteceu algo igual ao que
hoje é tonitruante: a notícia de que o ensino médio reprovava muitos alunos,
além do que seria razoável. O então secretário de educação do Estado acabou com
o problema em três dias: constituiu uma comissão para apresentar, em 90 dias, soluções
para diminuir a repetência. Obviamente ninguém mais falou no assunto porque ”o
problema estava sendo solucionado” e porque, depois de 90 dias, o relatório da
comissão foi para a gaveta e todos esqueceram que a comissão existira.
A comissão,
da qual eu fiz parte, embatucou na primeira semana de trabalho. Conseguimos
imediatamente mais dados do que os que necessitávamos; entre eles, a matrícula
e a reprovação em cada série, de cada escola do Estado. Primeiro tropeço: havia
escolas que não reprovavam ninguém e outras que o faziam com 60% dos seus
alunos. Nós não conseguimos decidir quais eram as melhores. Minha proposta de
que julgássemos melhores as que reprovavam menos foi rejeitada sem apelação em
cinco minutos. Mas a todos repugnou, também, a ideia de que aquelas que
reprovam muito fossem boas escolas. Segundo tropeço (ou é o mesmo?): saber onde
se está só tem sentido se se sabe para onde se quer ir. Nossa pobre comissão,
embora composta de grandes educadores que, individualmente, tinham clarezas e
convicções, não conseguiu produzir um pensamento grupal que pudesse servir como
referencial para o então ensino de segundo grau. Um dos grandes motivos para
que não conseguíssemos isto foi, aliás, o fato de que sabíamos que não nos
seria permitido fugir do senso comum social de que a reprovação é coisa boa.
Quero,
então, mesmo que apoiado mais na idade do que na inteligência, fazer duas
observações sobre a atual crítica às escolas que reprovam.
A primeira,
embora eu tenha que enunciá-la com uma boa pitada de ironia, é que valeria a
pena uma pesquisa para dirimir a seguinte dúvida: é motivo de orgulho ou de
tristeza, para os gaúchos, terem as escolas de ensino médio que mais reprovam?
Talvez esteja a população pensando que, se reprovamos mais, somos os que mais
levamos a sério a escola e os que temos os jovens mais preparados.
A segunda
é, mais, uma advertência: de modo algum adianta debater as causas da reprovação
em qualquer grau de ensino se não houver um compromisso de examinar questões
conexas e, mais do que isto, a decisão de introduzir as mudanças que a
realidade exige. A reprovação é o que aparece; suas causas são a pobreza
curricular – algum saber formal sobre algumas pouquíssimas disciplinas – o
professor falando o tempo todo, o uso da nota para castigo, o vestibular como
meta, o livro didático fastidioso, a própria disciplinaridade do ensino...
Somente se, num processo conjunto, autoridades
educacionais – especialmente o Conselho Nacional de Educação – e os educadores –
sobretudo os professores e as professoras que suportam o peso diário das aulas –
aderirem a uma escola sem disciplinas, isto é, literalmente transdisciplinar, onde
se estudem, por temas, um conjunto de saberes sobre a natureza e sobre a
cultura e a sociedade, somente assim, poderíamos nos entender nas conversas e
caminhar rumo à criatividade, à cidadania, à responsabilidade, ao desejo de
aprender... enfim à democracia escolar. Teríamos um ensino básico estudando,
por exemplo, a chuva, os planetas, a poluição dos rios, a conservação da
cidade, a ética na política, a influência da cidade grega em nossa realidade; naturalmente
não é possível citar todos os temas; alguns poderiam ser sugeridos a todas as
escolas, outros nasceriam dos desejos e das carências motivadoras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário