Uma professora que participa da gestão de ensino em um município gaúcho pediu minha opinião sobre o modo de utilizar as horas que os governos pagam aos professores além daquelas em que eles estão em aula. A questão é complicada. Atrevi-me a comentar o tema porque isto não é tratado e poderia ser alavanca para uma renovação completa da escola, rumo a uma educação aberta para o universo do conhecimento, sem limitação a quatro ou cinco disciplinas tratadas artificialmente.
Prezada Professora NN:
Você não menciona o município e isto, para mim, é bom porque posso
ser inteiramente isento. Não quero, é claro, entrar nos aspectos jurídico e
administrativo, embora não me soe bem a ideia de pagar alguém para fazer nada,
já que o contrato de um professor supõe que se o está pagando para dar a aula, o
que não pode ser feito sem que se a prepare. Todos supomos, sempre, que não se
pode pagar um conferencista para pronunciar uma palestra e pagá-lo, de novo,
para que ele a prepare.
Quanto ao aspecto técnico educacional, a situação é mais clara.
Todo o esforço para conseguir o pagamento de horas além do número de aulas está
fundamentado no desejo de que a escola passe a ser um espaço planejado, para,
assim, alcançar mudanças profundas no fazer pedagógico. Atualmente, de maneira
geral, ser professor é “passar” o livro didático, o que exige pouco preparo e
apenas alguma atenção para questões operacionais de menor importância. A ideia é
que a escola passe a ser um todo organizado, com um pensamento coletivo,
buscando resultados claros e abrangentes e com um trabalho de cada professor
ligado a esse referencial global e aperfeiçoado a cada dia. Isto exige:
- estudo continuado para compreender melhor as ideias atuais sobre educação e escola e para dominar conceitos, processos, técnicas, modelos e instrumentos de planejamento eficazes; esta é uma tarefa que não pode ser realizada individualmente, em casa, sob pena de prejudicar a harmonia necessária ao processo educativo;
- a elaboração, a execução de planos globais de médio e de curto prazo e a avaliação de tudo o que se está sendo e fazendo; isto exige a participação de todos no mesmo processo de: 1. estabelecer um referencial social e um pedagógico (o nome de projeto político-pedagógico é adequado); 2. fazer um diagnóstico sobre toda a prática, sobre os resultados e as causas do que entrava um fazer lúcido e eficaz; 3. propor ações, atitudes, regras e rotinas para satisfazer as necessidades surgidas no diagnóstico;
- o planejamento próximos das aula, não apenas com planos operacionais que respondam as questões de “como”, “com que” ... vão ser dadas as aulas (isto nem precisa ficar escrito), mas, sobretudo, com planos estratégicos, com respostas a questões mais fundamentais: “o que”, por que”, “PARA QUE”... vou fazer tais e tais coisas; apesar de ser uma responsabilidade individual, isto requer conversas e acertos com os colegas.
TUDO ISTO NÃO PODE SER FEITO SOZINHO e o pagamento de
horas além das aulas deve ser para isto. É necessário que as administração do
trabalho escolar leve isto em consideração: os responsáveis pela gestão dentro
da escola devem proporcionar as condições – sobretudo coordenando – para que
isto se realize e os gestores no nível municipal, estadual ou federal devem
fazer o mesmo. Por que deve ser dito com clareza: seria profundamente anti
educativo obrigar os professores a permanecerem na escola sem ter o que fazer.
Nem os alunos deveriam ser obrigados a coisas parecidas.
Avise-me, por favor, se receber este e-mail e diga-me qual é seu
município.
Saudações,
Danilo Gandin
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